que ondas agitem sorrisos
que o vento vos beije ternamente
e lá longe, muito longe
onde as amarras são cabelos finos
que se agitam como velas
com as mãos de luar
cuidem desse sonho
que tudo seja apenas luz
que se agite, inquieta
no vosso olhar
Sei de um lagarto amarelo que lentamente sobe uma parede. Aos olhos de todos parece imóvel, mas para mim move-se. Lentamente é certo, mas move-se. Agora está sobre um quadro imitando uma parece de tijolo de tons de avermelhados. Aproximei-me um pouco mais do quadro.
sei de um tempo onde as flores azuis
se confundem com o mar
sei do desespero de quem não morre por querer
simplesmente, desejo que as flores dancem em volta de ti
Porque me falas assim? É Abril, não reparas nos meses do ano? O lagarto amarelo continuou a subir o quadro. Para onde vais?
sai daí. sai de ti.
sobe os estores do quotidiano e olha.
espanta-te.
os dias enlouquecem iguais.
sucedem-se, encadeados.
na Praça de Nemésis pintam-se palavras.
colunas de palavras. muitas palavras.
é Abril, embora não pareça.
pássaros de seda cantam as recordações
de silêncios consentidos, forçados e amordaçados.
barcos de papel deslizam em nesgas de luz.
folhas vermelhas cobrem a copa frondosa da multidão
e há cegueira bastante para não ver as flores.
Abril? Um mês igual a todos os outros. O lagarto amarelo nada disse, continuou a subir vagarosamente o quadro. Porque sobes o quadro?
tive um mar, só meu
construí uma ilha, só minha
deixei-me abraçar pelo vento
sentado na areia, via o Sol partir
sentado na praia, via a Lua chegar
fui, então, navegante
fui um descobridor
o mar era, então, um murmúrio
a ilha era, toda ela um encanto
agora, procuro o meu mar
mas tudo é tão estupidamente real.
Deixei-o. Não se incomodam os sonhos de ninguém, por mais irreais que possam parecer. Até sempre, lagarto amarelo. Até um dia.